Arquivo mensal: Novembro 2014

Palavra do Presidente

Crescer e inovar sempre foram diretrizes presentes em todos os anos de existência da APPV, mas estas características, apesar de fundamentais, isoladamente são incapazes de provocar as transformações necessárias numa instituição que como tal envolve tantas especificidades e complexidades.

Oferecer o melhor para a comunidade exige uma atuação permanentemente orientada pelo arrojo, pela ambição e pela coragem dos bem-sucedidos, como de facto fomos até aqui, trabalhando de forma intensa para alcançar a nossa principal meta que é preservar e resgatar a qualidade de vida das pessoas.

Esta jornada prossegue longa e desafiadora. Qualidade de vida com cuidados de saúde, alimentação e habitação são bens essenciais, os quais temos o compromisso de garantir a qualidade e o acesso ao maior número possível de pessoas, produzindo informações que nos permitam entender o que realmente acontece com elas e tomar decisões cada vez mais adequadas. Atender os utentes no dia-a-dia, faz parte do nosso contexto.

Queremos continuar a crescer de forma contínua, consciente e sustentável, realizando e gerindo riscos que não nos impeçam de construir o modelo de trabalho ideal para a nossa realidade, que permita a obtenção de recursos que possam garantir os nossos objetivos.

Se dúvidas houvessem sobre este projeto, hoje, num exercício de rememoração, de elencagem do passado, elas dissipar-se-iam. Foram todas as pessoas, foram todos os projetos, foram todos os tempos dedicados, todas as paixões investidas, todas as preocupações e angústias sofridas, que justificam esta APPV.

Se após 20 anos, chegamos até aqui, com o mais avançado nível de referência e presença marcante no concelho de S Maria da Feira, é certo que ainda há muito por realizar.

Num olhar para o futuro, é necessário orgulharmo-nos do que fizemos e não esquecer, reconhecer o nosso valor, mas, mantendo-nos insatisfeitos. Auscultar essa nossa insatisfação interior é um grito de libertação, aceitar que devemos mudar e procurar ser melhores, sem trair. É este, a meu ver, o desafio.

Pedro Ribeiro Bastos

Testemunho

“Confiei e entreguei-me a este projeto de vida…”

Quando resolvi iniciar o tratamento na Casa Grande não acreditava que pudesse mudar algo na minha atribulada vida. Até à altura não tinha vivido, apenas sobrevivido, tentando fugir aos problemas, enredando-me noutros problemas, num turbilhão que não me deixava respirar, não me deixava viver com lucidez, fazendo com que todos à minha volta legitimamente me olhassem com desconfiança e receio.

A minha entrada na Casa significava apenas mais um acontecimento na minha vida, uma novidade pois era a minha primeira experiência em comunidade para tratar o problema da minha adição ao álcool, mas ao qual eu não atribuí grande significado, não acreditando que pudesse trazer alguma alteração verdadeiramente positiva para o meu futuro. Era mais uma forma de eu tentar evitar que os problemas por mim criados pudessem trazer-me consequências mais gravosas.

De facto, os primeiros tempos na Casa foram vividos com grande desconfiança e retraimento. Quem eram aquelas pessoas que se diziam dispostas a ajudar-me? Poderia confiar nelas? Para uma pessoa com o meu trajeto de vida a mudança é possível? Daí que nos primeiros tempos apenas tenha tido a preocupação de cumprir com as regras básicas do funcionamento da Casa, não demonstrando grande abertura nos momentos terapêuticos.

No entanto, à medida que o tempo passava, todo aquele discurso, todo aquele apelo à mudança começava a mexer comigo. Dei por mim a pensar: “estou aqui dentro, estas pessoas parecem querer de facto ajudar-me de forma desinteressada… e se eu tentasse? E se eu tentasse mesmo a sério? Afinal não tenho nada a perder… Com muitas dúvidas comecei a ouvir com outra atenção; comecei a tentar praticar algumas estratégias propostas; comecei a expressar um pouco mais do que me  ia na alma e me atormentava. Se calhar a mudança era possível, se calhar poderia renascer para uma nova vida. Assim, resolvi abraçar esta oportunidade com todas as minhas energias. Confiei e entreguei-me a este projeto de vida, na esperança que os meus dias pudessem ser mais serenos daqui em diante e mais felizes. Tomei a decisão de cumprir não somente os três meses de duração do meu tratamento, mas pedir uma prorrogação para mais três meses. Era pouco tempo, mas teria que me agarrar e de empenhar para que este tratamento pudesse resultar.

Fundamental para o sucesso desta minha recuperação foi a equipa técnica que me acompanhou durante o percurso na Casa e o apoio que os meus companheiros de tratamento me foram dando, encorajando-me sempre a acreditar que a mudança era possível.

Hoje posso dizer que renasci, sou um novo homem. Voltei a sentir o amor da minha família, voltei a trabalhar e alcanço o respeito das pessoas que me rodeiam. Tenho a consciência das minhas responsabilidades e esforço-me, um dia de cada vez, para fazer o melhor que sei em prol da continuidade da minha vida sóbria, tranquila e verdadeira. Sou grato pela oportunidade que tive, pela força com que a agarrei e espero poder inspirar tantas outras pessoas a fazer o mesmo. Vale a pena!

Vítor Correia

Reflexão

“A Pessoa e o Mundo”

Escrever é passar para o papel os nossos sentimentos, pensamentos ou estados do coração. A mão é um instrumento criador. Há quem estude a personalidade da pessoa (ou marcas da personalidade) através da sua escrita.

O pintor escreve na tela ou no papel as imagens e pensamentos. O escultor com as suas mãos dá expressão artística e de beleza à matéria que usa, seja ela qual for. Parte de nós vai na nossa escrita.

A caneta é o veículo.

Escrever sobre o quê? Sobre a Pessoa e o Mundo. O resto é paisagem. A pessoa é o centro para onde tudo converge e donde tudo diverge. A pessoa com a sua dignidade de único e irrepetível, como motor e energia do Mundo. Pôr a pessoa em segundo lugar é quebrar a harmonia do universo. Tudo para ela se orienta: a economia, o prazer como expressão de felicidade e realização, os negócios, a ciência e a técnica, a arte (musical ou outra), tudo movido pela inteligência e a liberdade.

E a liberdade é a irmã gémea da responsabilidade. Uma interliga-se com a outra.

Será uma monstruosidade usar a pessoa como “carne para canhão”: a morte que as guerras provoca, (tanto inocentes), as expressões de brutalidade do sacrifício de pessoas para as lutas do poder, a exploração e sacrifício das crianças. Coisas que pensávamos ser páginas negras do passado e impossível nesta sociedade de progresso e de prolongamento do tempo e qualidade de vida. Como perceber o tratamento que hoje se dá à pessoa e ao mundo? Esta nuvem negra atormenta a muitos e dá-nos a sensação de impotência.

As coisas mais irracionais e perversas passam todos os dias diante dos nossos olhos e quase se tornam hábito e nos anestesiam. Será correto que os media transmitam estes horrores até ao pormenor? Não há uma lei que nos defenda desta agressão? Alguns dirão que um pouco de bom senso e deontologia profissional o evitariam. Mas a guerra das concorrências e certa mentalidade reinante não o impede.

 Mas é urgente e imperioso que ao falar do Mundo se fale de outra face da moeda. É melhor acender uma luz do que amaldiçoar a escuridão. Há tanta gente boa, inteligente, generosa, de uma enorme dignidade, há grandes escritores, tratadores da saúde, há pessoas que são mais alma do que corpo, que se dão por inteiro em tudo o que fazem, que não olham para a ponta do dedo, mas para onde o dedo aponta, pessoas que sabem que o mal existe, mas o bem resiste e o amor persiste.

Vivemos num mundo onde o progresso nos trouxe coisas belas e boas, um Mundo onde abundam grupos, Associações e Movimentos maravilhosos, um mundo onde são muitos os que buscam paz no silêncio e na vida de amizade e partilha, um Mundo onde muitos lutam para que ele seja melhor, ainda que sabendo que quem luta nem sempre ganha, mas quem baixa os braços perde sempre.

 Neste mundo agitado e em convulsão eu deixo uma prece:

 

Concede-me, Senhor

Serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar

Coragem para modificar aquelas que posso (e são muitas) e

Sabedoria para distinguir umas das outras.

Padre Bernardino Queirós

Reviver a História Firmando Raízes

O Nascimento da APPV

Em 18/07/1994 era constituída a Associação Pelo prazer de Viver, sendo que o arranque efetivo da sua atividade ocorreu em meados de 1996 nas instalações cedidas pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, em Santa Maria de Lamas. Com o projeto “Actuar é Possível” – financiado pelo Medida 1 da I. O. Integrar – a APPV iniciava a sua atuação no tecido social, caraterizando desde logo a sua intervenção pelo trabalho em parceira com diversas instituições públicas e privadas do nosso concelho, pela proximidade de atuação junto dos mais excluídos, pela preocupação em intervir nas problemáticas sociais mais relevantes – desemprego feminino; baixas qualificações escolares e profissionais; abandono escolar; trabalho infantil; toxicodependência.

Este projeto, o seu carácter pioneiro e a forma como ele foi operacionalizado no terreno marcam de um modo inegável o futuro da Associação, sendo o ponto de partida para a consolidação do trabalho e da filosofia de atuação assente na promoção, dignificação e desenvolvimento dos cidadãos do concelho de Santa Maria da Feira.