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Testemunho

“Considero-me sortuda por ter tido, e ainda ter a oportunidade de fazer parte deste “grupo”….”

Entrei na Associação Pelo Prazer de Viver em 2010, quando tinha apenas nove anos. Na altura ainda tinha uma enorme parte do meu desenvolvimento, tanto físico como psicológico pela frente (assim como ainda tenho hoje, para dizer a verdade), e sei com grandes certezas que o facto de os meus pais me terem inscrito no ATL me ajudou a crescer. Era bastante estranho no início, tenho de admitir – ver pessoas muito mais velhas do que eu, já a falar de cursos e profissões que queriam seguir, fazia-me sentir intimidada -, mas ao fim de um tempo, graças a todas as funcionárias e às pessoas que lá trabalham no geral não tardei a considera-los a todos como uma segunda família.

 A minha entrada no grupo de percussão Sempr’a Bombar é talvez das coisas que ainda hoje, fazendo parte do grupo, considero extremamente importantes. A oportunidade de explorar uma outra parte de mim, (neste caso, ligada à música) que nem eu sabia que tinha é algo que considero excecional, assim como a oportunidade de conviver ainda mais com miúdos da minha idade e um pouco mais velhos também. Acabo então por chegar à conclusão de que, entre outras coisas, o objetivo de Associação sempre foi esse.

Ajudar-nos a crescer como pessoas, obrigando-nos a explorar o “desconhecido” e a ouvir e ver diferentes maneiras de pensar, sendo essa a única maneira de nos expandirem os nossos horizontes e de nos tornarem seres humanos capazes e úteis para a sociedade. Eu, pelo menos, vejo-me como sendo uma rapariga inteligente e de mentalidade aberta, e sei que não seria assim acaso não tivesse andado durante alguns anos na APPV. Vejo diversos colegas e colegas minhas sem objetivos na vida, que se limitam ao que podem tocar e não tentam ir mais longe do que isso – e fico feliz por na Associação sempre nos terem incentivado a ir mais longe e a fazer mais do que aquilo que julgamos que somos capazes.

A diversas atividades que são feitas têm sempre uma finalidade pedagógica e/ou social, tais como ensinar as crianças sobre matemática e português, e sobre como viver num grupo como a sociedade. Considero-me sortuda por ter tido, e ainda ter a oportunidade de fazer parte deste “grupo”, e era sem dúvida algo que aconselho a toda a gente.

Não sei como agradecer à APPV por toda a ajuda e pelo enorme papel que tiveram em todo o meu crescimento, e sei que, por muitos anos que passem, nunca me irei esquecer deles e de todos, ou pelo menos de muitos bons momentos que ali passei.

Inês Santos, 14 anos

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Testemunho

“Confiei e entreguei-me a este projeto de vida…”

Quando resolvi iniciar o tratamento na Casa Grande não acreditava que pudesse mudar algo na minha atribulada vida. Até à altura não tinha vivido, apenas sobrevivido, tentando fugir aos problemas, enredando-me noutros problemas, num turbilhão que não me deixava respirar, não me deixava viver com lucidez, fazendo com que todos à minha volta legitimamente me olhassem com desconfiança e receio.

A minha entrada na Casa significava apenas mais um acontecimento na minha vida, uma novidade pois era a minha primeira experiência em comunidade para tratar o problema da minha adição ao álcool, mas ao qual eu não atribuí grande significado, não acreditando que pudesse trazer alguma alteração verdadeiramente positiva para o meu futuro. Era mais uma forma de eu tentar evitar que os problemas por mim criados pudessem trazer-me consequências mais gravosas.

De facto, os primeiros tempos na Casa foram vividos com grande desconfiança e retraimento. Quem eram aquelas pessoas que se diziam dispostas a ajudar-me? Poderia confiar nelas? Para uma pessoa com o meu trajeto de vida a mudança é possível? Daí que nos primeiros tempos apenas tenha tido a preocupação de cumprir com as regras básicas do funcionamento da Casa, não demonstrando grande abertura nos momentos terapêuticos.

No entanto, à medida que o tempo passava, todo aquele discurso, todo aquele apelo à mudança começava a mexer comigo. Dei por mim a pensar: “estou aqui dentro, estas pessoas parecem querer de facto ajudar-me de forma desinteressada… e se eu tentasse? E se eu tentasse mesmo a sério? Afinal não tenho nada a perder… Com muitas dúvidas comecei a ouvir com outra atenção; comecei a tentar praticar algumas estratégias propostas; comecei a expressar um pouco mais do que me  ia na alma e me atormentava. Se calhar a mudança era possível, se calhar poderia renascer para uma nova vida. Assim, resolvi abraçar esta oportunidade com todas as minhas energias. Confiei e entreguei-me a este projeto de vida, na esperança que os meus dias pudessem ser mais serenos daqui em diante e mais felizes. Tomei a decisão de cumprir não somente os três meses de duração do meu tratamento, mas pedir uma prorrogação para mais três meses. Era pouco tempo, mas teria que me agarrar e de empenhar para que este tratamento pudesse resultar.

Fundamental para o sucesso desta minha recuperação foi a equipa técnica que me acompanhou durante o percurso na Casa e o apoio que os meus companheiros de tratamento me foram dando, encorajando-me sempre a acreditar que a mudança era possível.

Hoje posso dizer que renasci, sou um novo homem. Voltei a sentir o amor da minha família, voltei a trabalhar e alcanço o respeito das pessoas que me rodeiam. Tenho a consciência das minhas responsabilidades e esforço-me, um dia de cada vez, para fazer o melhor que sei em prol da continuidade da minha vida sóbria, tranquila e verdadeira. Sou grato pela oportunidade que tive, pela força com que a agarrei e espero poder inspirar tantas outras pessoas a fazer o mesmo. Vale a pena!

Vítor Correia